A EXPANSÃO DA IGREJA PRIMITIVA

 

1. Expansão dentro do Império Romano

a) Quem?  
No livro de Atos nos encontramos com vários nomes de pessoas de origem pagã que se converteram ao Senhor. Na Cesaréia o Cornélio, em Filipos a dona Lídia, em Atenas o Dionísio. Mas se não tivéssemos as cartas, não teríamos sabido que a maioria dos conversos era no início um grupo de incultos como o próprio Paulo escreve aos Coríntios (1Co 1:26-29). Um tal de Celso, um inimigo declarado dos cristãos, afirmou (+180) que eram um bando de lavandeiras, sapateiros, escravos, mulheres e crianças. De fato, no início foram em grande parte incultos, mas depois também os mais educados abriram os corações para o evangelho. E dá para especificar essas pessoas um pouco mais, pois é interessante que os primeiros conversos em escala maior eram gentios na metrópole de Antioquia na Síria. Pessoas morando em cidades estão mais abertas para mudanças do que as no interior. 
Então, em geral podemos resumir que foram primeiramente os simples e depois os mais cultos; primeiramente os nas cidades e depois os camponeses; primeiramente no Leste e só depois também no Oeste. E para o final da época das perseguições em todas essas áreas tem tido um crescimento considerável. Difícil de avaliar, mas a estimação é que por volta do ano 300, havia em torno de 10% de cristãos numa população que estava perto de setenta milhões dentro dos limites do império.

b) Quando?
Quanto à pergunta “Quando houve maior crescimento?”, é claro que o aumento espectacular ocorreu nos dias de Pentecoste. Além disto, em certas regiões o receptividade deve ter progredido consideravelmente em pouco tempo como nos mostra a carta do governador de Bitínia (na Ásia Menor), Plínio o Moço, ao imperador Trajano (+110). Nela ele informa que os templos dos deuses quase estavam vazias e os comerciantes de animais sem receita por causa do crescimento dos cristãos. Surtos ocorreram também por volta de 200 e entre 260 e 300. Então, geralmente foi depois de grandes perseguições como em 200 (Pontamiena; Perpétua e Felícitas) e depois do imperador Décio em 250. Após as últimas terríveis perseguições durante Diocleciano (+300), sem dúvida teria outro aumento rápido durante a calmaria seguinte. O que aconteceu, porém, foi ainda muito mais, pois por causa da tolerância oficial para todas as religiões (313), havia um crescimento vertiginoso. Sem dúvida, em todos esses casos "o sangue dos mártires foi a semente da igreja" (Tertuliano).
  
2. Expansão no Leste do Império

a) Depois daquela festa memorável de Pentecoste (33AD), os visitantes que tinham se convertido, começaram a regressar para seus lares espalhados. A relação das regiões em Atos mostra que a maior parte era do oriente do império (At 2:8-11). O centro espiritual seria por enquanto a cidade de Jerusalém, na província imperial de Judéia, conquistada por Roma por volta de 60 aC. No lugar onde há poucas semanas o Senhor tinha sido crucificado, agora crescia uma igreja forte, aumentando rapidamente, inclusive com a adesão de muitos sacerdotes (At 2:41; 4:4; 5:14; 6:7; 8:40). Da capital, as congregações se alastraram pela província em lugares como Cesaréia, Azôte, Jope e Lida (At 8:40; 9:32; 10:1).
b) Com a conversão do etíope (At 8:27) o evangelho começou a viajar para o sul. No Egito (incorporado por Roma +30aC), deve ter tido uma igreja cristã na metrópole de Alexandria (mais de 30.000 habitantes), um dos centros da diáspora judaica (um terço da população seria judaica!). A igreja cóptica nos diz que o evangelista Marcos trabalhou ali. Mas em breve. as perseguições devem ter alcançadas a ela também, purificando-a. Por volta de 200AD já existia uma igreja forte quando Pantenus fundou a sua escola para treinar futuros obreiros. Foi no mesmo tempo que outra perseguição assolou a região e a Pontamiena, a evangelista corajosa formada na escola de Pantenus, foi lançada viva num caldeirão de pixe ardente. Como em Judéia o evangelho se alastrou de Jerusalém, assim, no Egito, outras cidades foram alcançadas, como Pelúsio, Mênfis e Tebas.
c) Para o norte a primeira província imperial a ser alcançada foi a Síria (incorporada por Roma +60aC) com sua metrópole Antioquia (mais de 30.000 habitantes). Lembramos que foi ali que nasceu o apelido “cristãos”, inicialmente pejorativo, mas logo honorífico (At 11:26). Depois do Concílio em Jerusalem (50), a liderança das igrejas no mundo helenista começou a passar para Antioquia, e este processo se completou mesmo quando a Jerusalém foi destruida e sua igreja se mudou para Pela. Mas Antioquia foi também um lugar onde as perseguições não faltavam, e seu pastor central, o bispo Inácio, um dos ex-alunos do apóstolo João foi lançado às feras (117). 
d) Indo para o noroeste havia o que atualmente é a Turquia na "Ásia Menor". Naquele tempo o nome Ásia se referia somente à parte ocidental da península. Era a província senatorial de Ásia com a capital Éfeso (conquistada por Roma +130aC). Nessa metrópole (mais de 30.000 habitantes) havia uma grande igreja nos seus primeiros anos assistida pelo apóstolo Paulo e seu coloborador Timóteo. Foi de lá que o presbitério de Éfeso saiu para se despidir do velho apóstolo na praia de Mileto (At 20:17,28). Depois outros grandes nomes serviriam aquela igreja como próprio o apóstolo João que, quando exilado numa pequena ilha em frente da costa de Ásia, tinha de perguntar àquela igreja líder porque tinha abandonado seu o primeiro amor (Ap 2:4). Freqüentemente as perseguições cairam sobre esta e outras igrejas na mesma província, como Esmirna, cujo idoso pastor-mor Policarpo foi queimado vivo (155). No mesmo tempo as igrejas foram assoladas por problemas com ensinamentos que nem sempre eram conformes a Palavra de Deus, como dos Nicolaitas em Éfeso (Ap 2:6) e posteriormente dos montanistas no interior (Pepuza; +160).
e) No norte de Ásia Menor havia a província imperial Bitínia-Pontus. A Bitínia conheceu um grande surto de crescimento e posterior perseguição durante seu governador Plínio o Moço, cujo correspondência com o imperador Trajano já notamos (110). É uma região estratégica devido à travessia curta para a Europa, defronte do lugar onde Constantino, fundaria a segunda capital do império, a Constantinopla (330). E o nome de Nicéia em Bitínia soaria durante toda a história da igreja por causa do grande concílio realizado sob liderança do próprio Constantino (325). Um pouco mais para o leste encontra-se a cidade portuária de Sinope em Pontus (Ponto) de memória lastimável, pois daí saiu a pregação herético do armador Marcião que causaria muito prejuizo à igreja. 
f) No interior da Ásia Menor havia províncias imperiais com nomes conhecidos como Galácia e Capadócia ambas com grande número de igrejas locais. Especialmente as igrejas dos Gálatas sofreu com problemas judaístas e foi a elas que o apóstolo Paulo dirigiu sua carta sobre o significado da Lei. Um pouco mais para o interior havia as montanhas de Capadócia com suas muitas cavernas que, posteriormente, serviriam como um refúgio para perseguidos e muitos heremitas.
g) Passando para o lado europeu chegamos na atual Grécia, conquistada por Roma até +130aC. Na época cristã abrangia as provincias senatoriais Acaia (com Atenas, Corinto, etc) e Macedônia (com Filipos, Tessalônica, Beréia, etc). Havia igrejas de nomes famosos, mas bem menos numerosas do que na Ásia. Por muito tempo a escola filosófica da metrópole Atenas (mais de 30.000 habitantes) seria um foco de resistência contra o evangelho. Também nas ilhas de Creta e Chipre havia igrejas desde a metade do primeiro século (At 4:36; 15:39; Tt 1:5).

3. Expansão no Oeste do Império

a) Como observamos, a expansão começou no leste para se espalhar posteriormente no oeste, e, de novo, primeiramente nos grandes centros urbanos e somente depois mais lentamente na área rural. Sem dúvida, na região ocidental, os primeiros cristãos moravam na Itália, em Roma. A igreja na capital do império não foi fundada pelos apóstolos mas sim por viajantes, quem sabe até presentes no dia de Pentecoste em Jerusalém (At 2:10). Mas não resta dúvida que  ambos, Pedro e Paulo exerceram influência sobre a igreja, pois foi ali que morreram por causa da Palavra de Deus (64; somente no 3o século, Pedro foi considerado 1o Bispo de Roma!). Outros heróis da fé tiveram o mesmo suplício, como o filósofo cristão Justino Mártir (165). Desde cedo, os crentes em Roma estavam em perigo. Além da pressão imperial sempre presente, havia a zombaria dos inimigos declarados como os filósofos Plotino e Porfírio (+250). Mas crescia, tanto em qualidade como em quantidade, especialmente entre os escravos, pois Roma era uma cidade com milhares deles. Sobre Jerusalém se dizia que muitos sacerdotes aderiram à fé, assim podia se dizer sobre Roma que muitos escravos se refugiaram no aprisco do Bom Pastor. Um deles chegou a ser bispo daquela igreja renomada, Calixto (+220). Calcula-se que na época do imperador Décio (+250), havia uns 30.000 cristãos em Roma, reunindo-se em casas particulares, nas catacumbas, etc. O historiador Eusébio registra o depoimento do bispo de Roma Cornélio (+250) que lembrou que a igreja tinha 155 obreiros  e cuidava de 1500 viuvas e pobres! A língua franca dessa igreja cosmopolita era nesta altura ainda o grego, tanto na pregação como no cântico.
b) A segunda maior concentração de cristãos no oeste estava no norte da África, a região da atual Tunísia  Tanto o nome Ásia como África se expanderiam de uma província romana para englobar depois um continente inteiro. Esta região, com sua metrópole Cartago (mais de 30.000), era o pais dos antigos púnios (vindos da Fenícia) que tinham sido subjugados pelos romanos por volta de 200aC. Depois, a região tinha sido colonizado intensamente por soldados aposentados, transformando-a em celeiro de cereais, em que os povos dominados trabalhavam. Havia muita miscegenação mas apesar disto, sempre existia aquela resistência surda contra os conquistadores. Não é de estranhar que até dentro da igreja havia freqüentemente movimentos dissidentes como o montanismo (+200) e depois o donatismo (+300). Era a primeira igreja de fala latina e o maior teólogo por volta de 200 era Tertuliano, o primeiro teólogo a escrever naquela língua. Ele aderiu ao movimento montanista, ao qual também pertenciam as mártires Perpétua e Felicitas. (Depois, Agostinho viveria nesta região, +400). 
c) No extremo oeste do império estava a vasta Espanha, também ocupada por Roma por volta de 200aC. Tudo indica que o próprio apóstolo Paulo tenha sido um dos primeiros pregadores na “Hispânia” (At 15:24). A maior parte das igrejas cristãs se encontrava na região sul da península ibérica, entre elas a da cidade de Elvira onde 36 dioceses se reuniram num sínodo (314), logo depois do glorioso edito da tolerância de Milão (313).
d) A imensidão da Gália (França) foi dominada por Júlio César (+50aC). No sul nasceram as primeiras igrejas, porém o crescimento foi lento. No fim deste período ocorreu a mesma coisa como na Espanha: depois do Edito de Milão houve um sínodo na cidade de Arles (314), onde se apresentaram várias dioceses como Lião, Reims e até Colônia na Alemanha e três bispos da Britânia! O mais conhecido pastor nesta região foi o "pai da igreja" Irineu de Lião (+180). 
e) O oeste da Germânia (Alemanha) é prova que o cristianismo se espalhou com a influência de Roma. A cidade de Colônia era de fato uma “colônia” (como Filipos) do império fundada na metade do pimeiro século da era cristã, e a igreja dela estava presente no sínodo de Arles (314).
f) Também na Britânia, sob domínio romano desde +50AD, os primeiros cristãos eram  provavelmente soldados romanos. As igrejas de London e York estavam presentes no sinodo de Arles (314). O evangelho já deve ter penetrado mais para o norte pois Tertuliano (200) relata que "Cristo tem seguidores até além dos muros", ou seja o muro de Adriano construido contra as invasões dos habitantes da Escócia (+130). 

4. Expansão fora do Império Romano

a) Depois de Pentecoste, a expansão para o leste, alcançando a Mesopotâmia, foi somente uma questão de tempo. Perto da estrada internacional entre o Egito e a Pérsia estava a cidade de Edessa no grande abraço do rio Eufrates, recentemente conquistada pelos romanos. Era uma cidade helenista-aramaica, que se tornou um centro cristão. Aí, o apologista Taciano (+180), ex-aluno do filósofo Justino Mártir, preparou seu Diatessaron (pelos quatro), uma "harmonia" dos quatro evangelhos. Na História Eclesiástica (I:10) de Eusébio de Cesaréia, há uma saga  sobre Abgar (ou Agbar, o título real), o rei de Edessa que viveu na época de Cristo. Ele teria enviado uma carta a Jesus, convidando-O para vir à sua cidade porque estava doente e que os judeus O rejeitavam. 
Não há provas sólidas, mas há elementos históricas nela, pois havia muito contato pelas grandes rotas de caravanas comerciais que passavam por esta cidade. Além disto, sabemos que uns "gregos" contactaram o "helenista" Filipe porque queriam falar com Jesus (Jo 12:21). Provavelmente o evangelho chegou até Edessa pelo testemunho de alguns cristãos de fala aramaica, inclusive do apóstolo Tadeu, e então cresceu ali uma importante igreja. Embora com grande influência helenista, os cristãos eram um pouco místicos e críticos aos gregos que acharam mais filosóficos e inclinados a disputas teológicas. Eram grandes cantores e existe um hino sobre a "alma peregrina" que lembra um pouco de Bunyan. Foi nesta região que há notícias sobre o primeiro templo cristão que foi destruido por uma enchente (+200). 
b) Indo para o leste, o evangelho alcançou a Pérsia. Há rumores que o apóstolo Tomé pregou o evangelho aos "partos" (+50). Temos certeza que havia algumas igrejas por volta de 200AD. Um século depois, um grande cantor estava servindo naquela região, Efraim o Sírio, que é conhecido também por um códice do Novo Testamento. Por volta de 400, a perseguição veio sobre a igreja persa. A situação deles era difícil, porque o reinado persa sempre estava sob ameaça romana, e conseqüentemente cristãos eram suspeitos de compactuar com os inimigos. Não é de estranhar que depois, talvez inclusive por motivos nacionalistas subconscientes, a igreja persa se distanciou da igreja oficial dos romanos e aderiram ao nestorianismo (+500; Cristo: 2 pessoas, 2 naturezas) condenado pelo concílios ecumênicos ortodoxos (Cristo: 1 pessoa, 2 naturezas). Desta maneira, a Pérsia ficou fora da igreja do império.  
c) Mais para o leste ainda, a Índia foi alcançada. E, como na Pérsia, há indícios fortes que o apóstolo Tomé era seu evangelista (Atos de Tomé). A saga diz que Tomé chegou na capital do rei Gundobar. Tomé que era um mestre em construções, recebeu a incumbência de construir um novo palácio. Tomé, porém, distribuiu o dinheiro da empreitada entre os pobres. Quando o rei veio inspecionar o andamento das obras, perguntou pelo seu palácio. Tomé apontou para o céu, pois tinha transferido o tesouro real! Agora, sabemos que o Gundobar é uma pessoa histórica e que uma igreja no sul da Índia tem o nome de Igreja Mar Toma que, em 1952, celebrou sua festa de 1900 anos! Além disto, no sul da Índia foram achados moedas romanas até do terceiro século, provando o comércio com o império. 
d) Finalmente subimos da Edessa para o norte chegando na Armênia. A tradição diz que os apóstolos Bartolomeu e Tadeu pregaram no país, e que em 68 duas princesas cristãs e os dois apóstolos foram mortos. Há certeza que esse povo politeista  pagão independente foi evangelizado também por pessoas vindo de Capadócia no leste e de Edessa no sul (+200). Por volta de 300 trabalhava entre eles Gregório, apelidado de "o iluminador". Sob a pregação dele o rei Trdat se converteu levando consigo seus súditos. A igreja do estado foi colocado sob a supervisão de um "katólikos" (um “geral”). Um século depois, o linguista Mesrob preparou um alfabeto, usando a grafia grega. Entretanto, o rei desaprovou o projeto, pois eram as letras do seu inimigo. Então, Mesrob desenvolveu outro alfabeto para a tradução da Palavra de Deus. Como na Pérsia, a situação política-religiosa era difícil porque agora o cristianismo era a religião oficial do inimigo maior, o império romano. Não é de estranhar que, inclusive por motivos nacionalistas, os líderes da igreja estatal de Armênia se distanciaram do patriarca de Constantinopla, até na doutrina, adotando a posição monofisita (Cristo: 1 pessoa, 1 natureza), condenada pelos concílios ecumênicos ortodoxos (Cristo: 1 pessoa, 2 naturezas), ficando assim fora da igreja do império inimigo. 
A história de Armênia é muito importante pois é o primeiro exemplo em que a conversão do rei leva à conversão de um povo inteiro. Também é o primeiro exemplo de identificação do cristianismo com uma nação em língua, cultura e política, dando uma base forte nas perseguições (como pela Turquia, +1900). Grata pelo evangelho, a Armênia, por sua vez, levou-o para as montanhas de Geórgia ao norte.